O conjunto de monumentos naturais em
rochas areníticas, moldado pela ação erosiva plúvio-diferencial ao cabo de vários
milhões de anos, que recebe a denominação Sete
Cidades pela separação casual das pedras em sete blocos distintos, compõe,
hoje, o parque nacional de mesmo nome, incrustado em terras dos atuais
municípios de Piracuruca e de Brasileira, no Norte do Piauí. Esse aglomerado lítico, de
aspecto colossal, desperta a curiosidade e a imaginação da grande maioria de
seus visitantes e muitas são as estórias que têm inspiração naquele ambiente inusitado
e misterioso. Essa literatura vai desde simples lendas populares, desenvolvidas
pelos antigos moradores da região e transmitidas oralmente, até hipóteses bem
articuladas, como a formulada pelo francês Jacques Mahieu, (“Os Vikings no Brasil”, 1976), passando,
dentre outras, pelas descrições de Jácome Avelino (“Cidade Petrificada no Piauí”, 1886) ou
de Erich
von Daniken, (“Semeadura e Cosmo”,
1973). Mas, nada se compara à tese defendida por Ludwig Schwennhagen, que relata
a estada de navegantes fenícios em terras brasileiras, há mais de 3.000 anos
atrás.
Desde há muito se discute não se constituir
primazia das esquadras de Cristóvão Colombo, em 1.492, e de Pedro
Álvares Cabral, em 1.500, o descobrimento de terras a oeste do
continente europeu, estes na tentativa de encontrar um caminho marítimo para as
Índias. Já na antiguidade há relatos de viagens em busca de terras e
civilizações para além das “Colunas de
Hércules”, como a descrição de Platão (429-347 a.C.), no mito
cosmogônico “Timeu e Crítias”, para a
lendária ilha de Atlântida. Por volta
do século I a.C., também o grego Diodoro, em sua “História Universal”, menciona a
existência de tais terras. Os romanos, por sua vez, empreendem buscas pela “Insula Septem Civitatum” (Ilha das Sete Cidades), como comprova um
escrito em latim, encontrado em Porto-Cale
(atual cidade do Porto, Portugal), datado de 740 d.C. No ano de
1.473, o navegador açoriano Fernando Telles apresenta ao rei de Portugal, d. Afonso V, o mapa de um
extenso litoral, que identifica como sendo da “Ilha das Sete Cidades”, recebendo, por Carta Régia, a doação da mesma, em 1.475. O referido mapa - que
descreve, com riqueza de detalhes, a costa do atual Estado do Maranhão até o delta do rio Parnaíba - é referendado pelo matemático e geógrafo italiano Paolo
Toscanelli.
Com a morte de Teles, seu genro, Fernando Ulmo, associa-se a João
Afonso de Estreito e consegue de d. João II, em 1.485, nova
carta de doação e promessa de ajuda para explorar as “ilhas e terras firmes das Sete Cidades”. Há fortes indícios históricos
de que Ulmo e seus companheiros aportaram na costa brasileira por
diversas vezes. Ao retornar de uma das suas viagens, ele teria declarado ao
governo português: “A ilha das Sete
Cidades é um grande país, com muitas ilhas e terras firmes, com uma antiga
cidade de sete divisões”.
Em princípios do século XX, o
austríaco Ludwig Schwennhagen, membro da Sociedade de Geografia Comercial de Viena, se embrenha por selvas
do Norte e sertões do Nordeste brasileiros, à cata de subsídios para a
formulação de uma surpreendente tese. Com
efeito, no ano de 1928,
Schwennhagen
publica a primeira edição de sua “Antiga
História do Brasil (de 1.100 a.C. a 1.500 d.C.)”, através da Imprensa Oficial do Piauí, cujos poucos
exemplares, ainda existentes, são considerados raridades. A obra é reeditada
pela Editora Cátedra, em parceria com
o Governo do Estado do Piauí, nos
anos de 1976 e 1986, com apresentação do romancista Moacir Costa Lopes. Nas
páginas do livro, o pesquisador sustenta que navegadores fenícios, e, com eles,
colonizadores de outras nações, estiveram em diversos pontos do Brasil, a partir de 1.100 a.C. Dentre as
principais evidências dessa estada, a obra menciona diversas inscrições Brasil afora, tais como a encontrada no
município de Pouso Alto, Paraíba, traduzida por Cyrus
Gordon, da Brandeis University,
Boston, EUA, onde informa a origem dos exploradores e descreve brevemente sua
viagem: “Somos filhos de Canaã, de Sidon,
a cidade do Rei. O comércio nos trouxe a esta distante praia, uma terra de
montanhas. Sacrificamos uma jovem aos deuses e deusas exaltados no ano 19 do
Hiran, nosso poderoso pai. Embarcamos em Ezion Geber, no Mar Vermelho e
viajamos em dez navios. Permanecemos no mar, juntos, por dois anos em volta da
terra pertencente a Ham, mas fomos separados por uma tempestade e afastamo-nos
de nossos companheiros. E assim aportamos aqui, doze homens e três mulheres,
numa nova praia que eu, almirante, controlo. Mas, auspiciosamente passam os
exaltados deuses e deusas a interceder em nosso favor”. Na Pedra da Gávea, Rio de Janeiro, também há inscrições, que, decifrados os seus
caracteres, registra: “Tiro, Fenícia,
Badezir primogênito de Jethabaal”. A História
dos povos antigos da Ásia corrobora vários
dados acima apresentados: Sidon é uma
antiga cidade da costa do mar Mediterrâneo;
Hiran
I (969-935 a.C.) é rei de Tiro,
contemporâneo dos reis bíblicos Davi e Salomão; Ezion-Geber (hoje balneário de Eliat, Israel) é importante porto de entrada para a África e para o extremo Oriente,
citado na Bíblia (Reis I, 9:26); Jethabaal reina na Fenícia no período de 887 e 856 a.C., e Badezir,
seu filho e sucessor, entre 855 e 850 a.C.
Segundo afirma Schwennhagen, os
fenícios, povo de origem semítica que ocupa o corredor Sírio - exímios marinheiros e comerciantes – fundam no litoral sul
do Mediterrâneo, até o Atlântico, diversas cidades e feitorias,
mantendo contatos de negócios com diversos outros povos. Dentre muitos, há relatos
de uma célebre aliança entre Hiran e Salomão. Tendo descoberto,
casualmente, a “Pindorama”, passam a
explorá-la economicamente. Para viabilizar tal empreitada, estabelecem relações
amistosas e intercâmbios com os primitivos habitantes da terra, possibilitando
que dela possam extrair diversos materiais, ali encontradas em abundância, muitos
dos quais já raros ou esgotados no velho mundo. Assim, exploram várias pedras e
metais preciosos, bem como madeira-de-lei, que vendem aos hebreus para utilização
na construção do lendário Templo de Jerusalém.
Aos egípcios, dentre outros produtos, fornecem salitre, utilizado no processo
de embalsamamento de seus mortos, e matéria-prima para manufatura de tecidos,
vidros, etc.
Conforme os escritos do notável professor
- cujo nome germânico Schwennhagen é nordestinizado, jocosamente,
para “Chovenágua” - os fenícios fazem uso de um porto marítimo natural,
a que chamam Tutóia (possivelmente,
uma alusão conjunta às antigas cidades de Tur
e Tróia), de onde ingressam no delta
do Parnaíba e passam a explorar a região
que corresponde ao norte do Piauí,
atualmente. Por aquelas paragens, cerca
de 180 km da foz, descobrem uma cidade, construída pela natureza, dividida em
sete partes, a que batizam de Sete
Cidades. O local é escolhido para
sediar uma escola de sacerdotes Piagas,
originários do povo Cário, adoradores
do deus “Pan” (possível origem do
termo “Tupã” de nossos nativos). Os
fenícios trazem esse grupo de magos da Ásia
Menor, interessados que estavam na colonização das novas terras e no
controle político e religioso de sua população. Assim, de acordo com “A Antiga História do Brasil”, o conjunto
monumental petrificado das Sete Cidades,
no “Piagüi” (terra dos Piagas), passa a sediar a “Ordem e o Congresso Nacional dos Povos Tupis”.
No centro da “terceira cidade”, segundo
a descrição do pesquisador, há um castelo, dividido em três partes: “O primeiro salão era o lugar do Congresso,
isto é, da reunião dos delegados e deputados; o segundo salão era a sede do
supremo morubixaba, isto é, o governador eleito como chefe de todas as tribos
para um certo prazo; o terceiro, pátio amplo onde o Sumé, assistido pelos
Piagas, administrava suas funções religiosas. Ali está a grande estátua do
sacerdote chefe, de escultura primitiva, e, a um lado, vê-se a suposta
biblioteca, um lote de pedras lisas e finas, cortadas simetricamente”.
As incursões fenícias pelo continente
americano só cessam, de acordo com “Chovenágua”, por volta de 146 a.C., com
a destruição de Cartago pelos
romanos. O historiador Heródoto - que registra a epopéia
fenícia de circunavegação do continente africano - também relata viagens de
cartagineses a um distante país, além dos oceanos. O declínio da civilização que
se desenvolve sob a orientação da Ordem
dos Sacerdotes Piagas, com sede
nas Sete Cidades, se dá, provavelmente,
em período posterior, motivado, dentre outros, por lutas visando o controle
político e, ainda, por dificuldades de administração do extenso território, povoado
por inúmeras etnias. As nações confederadas em torno da Ordem Cária acabam sendo dissipadas, estabelecendo-se diversos outros
centros de poder. Nessa dispersão tupiniquim, os Tabajaras e outros grupos, por exemplo, se fixam entre o rio Parnaíba e a serra da Ibiapaba, na terra livre dos Tapuias. Os Tupinambás se estabelecem em vários pontos da região central e da Amazônia. A partir de então, esses inúmeros
grupos iniciam um retrógrado e intermitente processo de divisões e fusões
culturais, ao cabo de vários séculos, até a chegada das naus portuguesas, na
costa da Bahia, em abril de 1.500.
Sobre Ludwig Schwennhagen e sua
estada no Piauí, o escritor Moacir
Lopes resgata alguma memória dos teresinenses, àquela época: “Por aqui passou esse alemão calmo e
grandalhão que ensinava história e bebia cachaça nas horas de folga, andava
estudando umas ruínas pelo Estado do Piauí e outros do Nordeste, e que chegou a
Teresina no primeiro quartel deste século, não se sabe de onde, e morreu sem
deixar rastro, não se sabe de quê, e andava rabiscando uns manuscritos sobre a
origem da raça Tupi, lendo tudo o que era pedra espalhada por aí. Seu nome é
tão complicado que muitos o chamavam Chovenágua”. Também o escritor Vitor Gonçalves Neto,
na dedicatória de seu livro “Roteiro das
Sete Cidades” (1963), assim se refere:
“À memória de Ludovico Schwennhagen –
professor de História e Filologia que, em maio de 1928, defendeu a tese meio
absurda de que os fenícios foram os primeiros habitantes do Piauí. Em sua
opinião, as Sete Cidades serviram de sede da Ordem e do Congresso dos povos
tupis. Nasceu em qualquer lugar da velha Áustria de ante-guerras. Morreu talvez
de fome aqui n’algum canto do Nordeste do Brasil. Orai por ele”. Mais adiante,
quando da descrição da 2ª cidade, o autor transcreve a fala de um certo Assunção,
seu companheiro de viagem, que diz: “Seu
mano, sei que você nunca leu o Ludovico Schwennhagen. Foi um maluco que
apareceu por estas bandas ao tempo do governo do hoje senador Matias Olimpio de
Melo. Aproveitaram-no como professor de alemão no velho Liceu Piauiense e
imprimiram sua ‘Antiga História do Brasil’ – de 1.100 antes de Jota Cristo até
1.500 de nossa era”.
É com pesar que se constate não ter
a tese do pesquisador austríaco chegado a adquirir a robustez necessária para o
desenvolvimento de ações epígonas. Dessa forma, no curso das décadas que se sucedem
à sua divulgação, a postulação histórica perde seu cunho científico e se transforma
em relato mítico, curioso ou absurdo, apenas. Muito embora a publicação da “Antiga História do Brasil” esteja listada
– no julgamento do jornalista Zózimo Tavares – entre os “100 Fatos do Piauí no Século XX” (2000),
seu conteúdo permanece à margem dos compêndios oficiais brasileiro e piauiense.
Pode-se entender que somente um grande movimento, encabeçado pela comunidade
acadêmica da área, que objetive divulgar e discutir o tema, conseguirá suscitar
o interesse das atuais e futuras gerações, e, em conseqüência, viabilizar a
realização de novos estudos e pesquisas. Uma possível confirmação da presença
fenícia na “Terra Brazilis”, além de provocar
a revisão de parte da nossa História,
fará, finalmente, justiça ao legado precioso de Ludovico “Chovenágua”.
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