A data de 22 de janeiro, na cidade de Piracuruca, por
sua reconhecida importância, passou a integrar o calendário oficial das
comemorações alusivas ao processo de adesão do Piauí à Independência do Brasil,
por força do Decreto nº 12.824, exarado pelo Governo do Estado do Piauí,
a 19 de outubro de 2007.
Quando o grito do Ipiranga, bradado a 07 de setembro de
1822, ecoou por todo o território brasileiro, encontrou algumas províncias - Bahia, Piauí,
Maranhão, Pará e Cisplatina - em situações políticas e
militares no contraponto dos ideais de independência, defendidos pela maioria. Deve-se
fazer constar, a bem da verdade, que, já há alguns anos, por conta de querelas
regionais, as representações dessas províncias junto às Cortes Gerais de
Lisboa vinham se posicionando, de forma sistemática, a favor dos interesses
portugueses, contrárias, assim, às causas nacionais. A esse respeito, o
historiador e religioso campomaiorense Joaquim Chaves escreveu que
Há muito que a posição
geográfica do Piauí havia despertado a atenção do governo de Lisboa, para o
caso de uma emergência. Prevendo que a independência do Brasil seria apenas uma
questão de tempo, [...] o governo português planejara ficar com uma parte para
ele, isto é, o norte, recriando o Estado do Maranhão que compreenderia as
províncias do Pará, do Maranhão e do Piauí.
Por aquele ano de 1822, a Província do Piauí se
achava administrada por uma junta de governo fiel a Portugal, eleita a
07 de abril. Compunha essa junta Matias
Pereira da Costa (presidente), Francisco de Sousa Mendes e Joaquim de Sousa Martins. No posto de governador das armas se
encontrava o sargento-mor João José
da Cunha Fidié, nomeado por Carta Régia datada de 09 de
dezembro de 1821.
Na então Villa da Parnaíba, seus principais
líderes políticos e militares, contrariando o governo de Oeiras,
decidiram por manifestar adesão ao movimento separatista, a 19 de outubro de
1822. No rol dos insurgentes parnaibanos, achavam-se, dentre outros, o rico
fazendeiro e coronel Simplício Dias
da Silva (1773-1829), o juiz de fora
João Cândido
de Deus e Silva (1787-1860), o tenente Joaquim Timóteo de Brito, o coronel José Francisco de Miranda Osório, Antônio Raimundo Dias de Seixas e Silva (?-1842) e o alferes Leonardo de Carvalho
Castelo Branco. Sobre Leonardo,
o biógrafo Edgardo Pires Ferreira, em
“Os Castello Branco: a mística do
parentesco” (2008, p. 24-27) atesta ter ele nascido na Fazenda Taboca, então município de Parnaíba (hoje, município de Esperantina),
em 1789, filho do casal Miguel de Carvalho
e Silva e Ana Rosa Clara Castelo
Branco.
O governo da Província, tomando conhecimento da
sublevação ocorrida na Villa da Parnaíba, providenciou o
deslocamento de Fidié
rumo ao norte, à frente de seu Batalhão de 1ª Linha e da Tropa
Miliciana, com a finalidade de sufocar o movimento. A corporação portuguesa
alcançou a Villa de Campo Maior
a 25 de novembro. Chegou à povoação de Piracuruca a 12 de dezembro, ali
permanecendo um dia para o descanso das tropas. A 18 de dezembro, sem receber
resistência, o comandante português entrou em Parnaíba, em face de os
principais líderes independentes locais, por se acharem despreparados
militarmente, já terem se refugiado em terras cearenses.
Deixando os demais companheiros em Granja, Leonardo Castelo
Branco e Miranda Osório
se dirigiram para Sobral, onde conseguiram
arregimentar um contingente de cerca de seiscentos homens. Dividindo a força em
dois destacamentos e assumindo, cada um, seus respectivos comandos, os dois
líderes iniciaram marcha de retorno às terras do norte do Piauí, adotando
a estratégia de Miranda Osório seguir
direto para a Villa de Campo Maior e
de Leonardo Castelo Branco tangenciar
pela povoação de Piracuruca. Assim, nas
primeiras horas do dia 22 de janeiro de 1823, quarta-feira, Leonardo Castelo Branco tomou Piracuruca
sem maiores resistências, aprisionando o pequeno pelotão de soldados ali
deixados por Fidié,
quando da sua passagem. Consta, ainda, que, ao cair da tarde do mesmo dia, o
ardoroso patriota reuniu a população local em frente ao templo consagrado à Virgem do Monte do Carmo, procedendo,
solenemente, a leitura de manifesto da sua própria lavra, em que proclamava a
independência brasileira em território piauiense. O ilustre historiador
piracuruquense Anísio de Britto Mello
transcreveu o referido documento nas páginas de sua obra “O Piauhy no
Centenário de sua Independência” (1922), da qual são extraidos alguns
excertos:
Queridos irmãos
que habitais as fecundas margens do caudaloso Parnaíba, por um e outro lado,
dignai-vos atender às sinceras vozes de um Patrício vosso, que, todo,
unicamente se dedica ao vosso bem presente e ainda mesmo no futuro.
Até quando
malignas e espessas nuvens ofuscam as luzes do vosso entendimento, pois vós
sois brasileiros, e recusais obedecer ao Sr. Dom Pedro, Imperador
Constitucional e seu Perpétuo Defensor?
Não sois europeus
e seguis o seu partido com perigo evidente da nossa vida e com perda da honra.
Ah! Onde estão o brio e o patriotismo brasilieses; onde a honra e onde o dever?
O meu coração se
vê dilacerado pelo punhal da mais intensa dor!
Irmãos, irmãos!
Quereis ter a doçura que a força exigia de vós e por violência obtenha o que o
dever, a honra e o patriotismo em vão, até agora, vos tem tão instante e
cordialmente persuadido! A dor me embarga as vozes do sentimento, apenas
respiro.
Quereis que a
vossa adesão à nossa santa e comum causa seja da força! Pois sereis
satisfeitos, - Ei-la: ela se apresenta. Um pé de exército de quatro a seis mil
homens vai fazer o mesmo em Campo Maior; há mais um corpo de observação para
conter o inimigo, a quem inquieta com contínuas correrias pela costa. Todos
eles trazem os petrechos de guerra e várias peças de campanha, que tornam mais
terríveis suas forças. Além desses corpos, um batalhão ligeiro de índios e brancos
de mais de 600 praças, destinado a cortar as relações do inimigo com o sul da
província, ali plantou o seu quartel comandante pela voluntária reunião dos
povos circunvizinhos.
No curto espaço
de três dias tem visto crescer o duplo de seus soldados.
Obtida a possível
reunião dessas forças mencionadas, seguros da vitória, marcharemos alegres a
desalojar o nosso tirano déspota do seu último mal seguro asilo...
[...] Concluída
esta expedição, o que esperamos em brevíssimos dias, a não termos mais que fazer,
exultando de gosto por sermos instrumentos da liberdade de nossos irmãos,
cantando alegres hinos ao Senhor Deus dos Exércitos, entre os vivas e
aclamações, ufanos entraremos em nosso País natal cheios de uma nobre e
gloriosa vaidade. Estes são os nossos desejos.
[...] Ah!
Queridos e enganosos irmãos, que é o que temeis? E que é o que esperais? Temeis
as forças do miserável Portugal esgotadas com as contínuas levas de soldados do
sul do Brasil, onde todos têm sido sacrificados à deusa da Liberdade Brasiliense?
Que esmaga suas cabeças com a mão armada do ferro com que pretendiam
subjugar-nos?
[...] Dezesseis
províncias, desde o além Prata até os limites ocidentais do Ceará, todas a uma
só voz, proclamam a liberdade e prestam gostosa obediência a D. Pedro.
Não temeis essas
forças, muito superiores às vossas, e, existentes no vosso próprio continente e
confiantes e temeis as de Portugal tão remotas e apoucadas? Que estranha mania!
[...] Quanto aos
exemplos de consciência que estes senhores e outros iguais nos metem, não é
mais que um pretexto próprio só para se enganar gentes rudes que ignoram a
natureza dos contratos e que eles obrigam.
[...] Que vos
falta, pois, amados irmãos? Que vos impede os passos? Que vos prende a língua?
Ai! Gritai comgo:
Viva a nossa
santa religião!
Viva a futura
Constituição Brasiliense!
Viva a D. Pedro
I, Imperador Constitucional do Brasil e seu Perpétuo Defensor!
Viva a nossa
santa Independência!
Vivam todos os
Brasileiros honrados, briosos e intrépidos!
Quartel de
Piracuruca, a 22 de janeiro de 1823.
Leonardo de
Carvalho Castelo Branco
Alferes Secretário da Divisão
Auxiliadora do Piauí.
A contextura política e militar piauiense, nos primeiros
meses de 1823, agravada pelo acirramento dos ânimos das lideranças de ambos os
lados, mais parecia os avanços e recuos das diferentes peças em um tabuleiro de
xadrex, tamanhas as movimentações levadas a efeito. Depois de protagonizar a histórica
proclamação junto ao povo piracuruquense - ato esse que se tornou emblemático
para o desfecho das lutas – o sempre impulsivo Leonardo Castelo Branco, deixou parte dos seus comandados guarnecendo
a povoação e rumou para Campo Maior, repetindo, ali, o mesmo manifesto, em
data de 05 de fevereiro. Dois dias depois da proclamação em Piracuruca,
a junta de governo da Província foi derrubada. Oeiras,
finalmente, aderiu à Independência. Na Villa
da Parnaíba, Fidié
tomou conhecimento dos levantes ocorridos em Piracuruca, Oerias, Campo Maior e outras plagas piauienses,
decidindo por retornar, imediatamente, à capital. O grupo de insurgentes que havia
sido deixado em Piracuruca, no
entanto, debandou de volta para o Ceará, com a chegada de notícias da aproximação
da tropa de Fidié. Todo esse conjunto
de fatores compôs o cenário sobre o qual se precipitaram o Embate da Lagoa do Jacaré, de
forma preliminar, e, depois, a Batalha
do Genipapo, ocorridos em 10 e 13 de março, respectivamente. Esses
episódios, contudo, cada um em seu correspondente grau de importância, merecem
ser contemplados, de forma específica, nos capítulos seguintes dessa História.
Há de
se concluir, por fim, que a iniciativa do Governo Estadual de resgatar e
valorizar o manifesto pela Independência do Brasil
no Piauí, proferido por Leonardo de Carvalho Castelo Branco,
na povoação de Piracuruca, a 22 de janeiro de 1823, bem como de
conceder, em menção de reconhecimento, a Comenda da Ordem Estadual do Mérito
Renascença do Piauí, a homens e mulheres que tenham se destacado, dentre
outros feitos, na promoção da história, da literatura e da cultura local e regional,
constituem-se em exemplos efetivos do quanto é possível e devido realizar, por
agentes e instituições públicos, visando à manutenção dos lugares de memória de
uma civilização, evidenciando a necessidade de estabelecer, como bem cultural e
social do povo, o exercício da liberdade, da equidade e da democracia, em toda
sua plenitude.
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Publicado em:Jornal Acesso Real, coluna Calidoscópio Cultural; ano II; nº 06; de 16 a 31.01.2008 (primeira versão);
Sítio www.piracuruca.com, coluna “O Mermorista”; em 21.01.2008 (primeira versão).
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