sábado, 21 de janeiro de 2012

O histórico 22 de janeiro de 1823


A data de 22 de janeiro, na cidade de Piracuruca, por sua reconhecida importância, passou a integrar o calendário oficial das comemorações alusivas ao processo de adesão do Piauí à Independência do Brasil, por força do Decreto nº 12.824, exarado pelo Governo do Estado do Piauí, a 19 de outubro de 2007.
Quando o grito do Ipiranga, bradado a 07 de setembro de 1822, ecoou por todo o território brasileiro, encontrou algumas províncias - Bahia, Piauí, Maranhão, Pará e Cisplatina - em situações políticas e militares no contraponto dos ideais de independência, defendidos pela maioria. Deve-se fazer constar, a bem da verdade, que, já há alguns anos, por conta de querelas regionais, as representações dessas províncias junto às Cortes Gerais de Lisboa vinham se posicionando, de forma sistemática, a favor dos interesses portugueses, contrárias, assim, às causas nacionais. A esse respeito, o historiador e religioso campomaiorense Joaquim Chaves escreveu que
Há muito que a posição geográfica do Piauí havia despertado a atenção do governo de Lisboa, para o caso de uma emergência. Prevendo que a independência do Brasil seria apenas uma questão de tempo, [...] o governo português planejara ficar com uma parte para ele, isto é, o norte, recriando o Estado do Maranhão que compreenderia as províncias do Pará, do Maranhão e do Piauí.
Por aquele ano de 1822, a Província do Piauí se achava administrada por uma junta de governo fiel a Portugal, eleita a 07 de abril. Compunha essa junta Matias Pereira da Costa (presidente), Francisco de Sousa Mendes e Joaquim de Sousa Martins. No posto de governador das armas se encontrava o sargento-mor João José da Cunha Fidié, nomeado por Carta Régia datada de 09 de dezembro de 1821.
Na então Villa da Parnaíba, seus principais líderes políticos e militares, contrariando o governo de Oeiras, decidiram por manifestar adesão ao movimento separatista, a 19 de outubro de 1822. No rol dos insurgentes parnaibanos, achavam-se, dentre outros, o rico fazendeiro e coronel Simplício Dias da Silva (1773-1829), o juiz de fora João Cândido de Deus e Silva (1787-1860), o tenente Joaquim Timóteo de Brito, o coronel José Francisco de Miranda Osório, Antônio Raimundo Dias de Seixas e Silva (?-1842) e o alferes Leonardo de Carvalho Castelo Branco. Sobre Leonardo, o biógrafo Edgardo Pires Ferreira, em “Os Castello Branco: a mística do parentesco” (2008, p. 24-27) atesta ter ele nascido na Fazenda Taboca, então município de Parnaíba (hoje, município de Esperantina), em 1789, filho do casal Miguel de Carvalho e Silva e Ana Rosa Clara Castelo Branco.
O governo da Província, tomando conhecimento da sublevação ocorrida na Villa da Parnaíba, providenciou o deslocamento de Fidié rumo ao norte, à frente de seu Batalhão de 1ª Linha e da Tropa Miliciana, com a finalidade de sufocar o movimento. A corporação portuguesa alcançou a Villa de Campo Maior a 25 de novembro. Chegou à povoação de Piracuruca a 12 de dezembro, ali permanecendo um dia para o descanso das tropas. A 18 de dezembro, sem receber resistência, o comandante português entrou em Parnaíba, em face de os principais líderes independentes locais, por se acharem despreparados militarmente, já terem se refugiado em terras cearenses.
Deixando os demais companheiros em Granja, Leonardo Castelo Branco e Miranda Osório se dirigiram para Sobral, onde conseguiram arregimentar um contingente de cerca de seiscentos homens. Dividindo a força em dois destacamentos e assumindo, cada um, seus respectivos comandos, os dois líderes iniciaram marcha de retorno às terras do norte do Piauí, adotando a estratégia de Miranda Osório seguir direto para a Villa de Campo Maior e de Leonardo Castelo Branco tangenciar pela povoação de Piracuruca. Assim, nas primeiras horas do dia 22 de janeiro de 1823, quarta-feira, Leonardo Castelo Branco tomou Piracuruca sem maiores resistências, aprisionando o pequeno pelotão de soldados ali deixados por Fidié, quando da sua passagem. Consta, ainda, que, ao cair da tarde do mesmo dia, o ardoroso patriota reuniu a população local em frente ao templo consagrado à Virgem do Monte do Carmo, procedendo, solenemente, a leitura de manifesto da sua própria lavra, em que proclamava a independência brasileira em território piauiense. O ilustre historiador piracuruquense Anísio de Britto Mello transcreveu o referido documento nas páginas de sua obra “O Piauhy no Centenário de sua Independência” (1922), da qual são extraidos alguns excertos:
Queridos irmãos que habitais as fecundas margens do caudaloso Parnaíba, por um e outro lado, dignai-vos atender às sinceras vozes de um Patrício vosso, que, todo, unicamente se dedica ao vosso bem presente e ainda mesmo no futuro.
Até quando malignas e espessas nuvens ofuscam as luzes do vosso entendimento, pois vós sois brasileiros, e recusais obedecer ao Sr. Dom Pedro, Imperador Constitucional e seu Perpétuo Defensor?
Não sois europeus e seguis o seu partido com perigo evidente da nossa vida e com perda da honra. Ah! Onde estão o brio e o patriotismo brasilieses; onde a honra e onde o dever?
O meu coração se vê dilacerado pelo punhal da mais intensa dor!
Irmãos, irmãos! Quereis ter a doçura que a força exigia de vós e por violência obtenha o que o dever, a honra e o patriotismo em vão, até agora, vos tem tão instante e cordialmente persuadido! A dor me embarga as vozes do sentimento, apenas respiro.
Quereis que a vossa adesão à nossa santa e comum causa seja da força! Pois sereis satisfeitos, - Ei-la: ela se apresenta. Um pé de exército de quatro a seis mil homens vai fazer o mesmo em Campo Maior; há mais um corpo de observação para conter o inimigo, a quem inquieta com contínuas correrias pela costa. Todos eles trazem os petrechos de guerra e várias peças de campanha, que tornam mais terríveis suas forças. Além desses corpos, um batalhão ligeiro de índios e brancos de mais de 600 praças, destinado a cortar as relações do inimigo com o sul da província, ali plantou o seu quartel comandante pela voluntária reunião dos povos circunvizinhos.
No curto espaço de três dias tem visto crescer o duplo de seus soldados.
Obtida a possível reunião dessas forças mencionadas, seguros da vitória, marcharemos alegres a desalojar o nosso tirano déspota do seu último mal seguro asilo...
[...] Concluída esta expedição, o que esperamos em brevíssimos dias, a não termos mais que fazer, exultando de gosto por sermos instrumentos da liberdade de nossos irmãos, cantando alegres hinos ao Senhor Deus dos Exércitos, entre os vivas e aclamações, ufanos entraremos em nosso País natal cheios de uma nobre e gloriosa vaidade. Estes são os nossos desejos.
[...] Ah! Queridos e enganosos irmãos, que é o que temeis? E que é o que esperais? Temeis as forças do miserável Portugal esgotadas com as contínuas levas de soldados do sul do Brasil, onde todos têm sido sacrificados à deusa da Liberdade Brasiliense? Que esmaga suas cabeças com a mão armada do ferro com que pretendiam subjugar-nos?
[...] Dezesseis províncias, desde o além Prata até os limites ocidentais do Ceará, todas a uma só voz, proclamam a liberdade e prestam gostosa obediência a D. Pedro.
Não temeis essas forças, muito superiores às vossas, e, existentes no vosso próprio continente e confiantes e temeis as de Portugal tão remotas e apoucadas? Que estranha mania!
[...] Quanto aos exemplos de consciência que estes senhores e outros iguais nos metem, não é mais que um pretexto próprio só para se enganar gentes rudes que ignoram a natureza dos contratos e que eles obrigam.
[...] Que vos falta, pois, amados irmãos? Que vos impede os passos? Que vos prende a língua? Ai! Gritai comgo:
Viva a nossa santa religião!
Viva a futura Constituição Brasiliense!
Viva a D. Pedro I, Imperador Constitucional do Brasil e seu Perpétuo Defensor!
Viva a nossa santa Independência!
Vivam todos os Brasileiros honrados, briosos e intrépidos!
Quartel de Piracuruca, a 22 de janeiro de 1823.
Leonardo de Carvalho Castelo Branco
Alferes Secretário da Divisão Auxiliadora do Piauí.
A contextura política e militar piauiense, nos primeiros meses de 1823, agravada pelo acirramento dos ânimos das lideranças de ambos os lados, mais parecia os avanços e recuos das diferentes peças em um tabuleiro de xadrex, tamanhas as movimentações levadas a efeito. Depois de protagonizar a histórica proclamação junto ao povo piracuruquense - ato esse que se tornou emblemático para o desfecho das lutas – o sempre impulsivo Leonardo Castelo Branco, deixou parte dos seus comandados guarnecendo a povoação e rumou para Campo Maior, repetindo, ali, o mesmo manifesto, em data de 05 de fevereiro. Dois dias depois da proclamação em Piracuruca, a junta de governo da Província foi derrubada. Oeiras, finalmente, aderiu à Independência. Na Villa da Parnaíba, Fidié tomou conhecimento dos levantes ocorridos em Piracuruca, Oerias, Campo Maior e outras plagas piauienses, decidindo por retornar, imediatamente, à capital. O grupo de insurgentes que havia sido deixado em Piracuruca, no entanto, debandou de volta para o Ceará, com a chegada de notícias da aproximação da tropa de Fidié. Todo esse conjunto de fatores compôs o cenário sobre o qual se precipitaram o Embate da Lagoa do Jacaré, de forma preliminar, e, depois, a Batalha do Genipapo, ocorridos em 10 e 13 de março, respectivamente. Esses episódios, contudo, cada um em seu correspondente grau de importância, merecem ser contemplados, de forma específica, nos capítulos seguintes dessa História.
Há de se concluir, por fim, que a iniciativa do Governo Estadual de resgatar e valorizar o manifesto pela Independência do Brasil no Piauí, proferido por Leonardo de Carvalho Castelo Branco, na povoação de Piracuruca, a 22 de janeiro de 1823, bem como de conceder, em menção de reconhecimento, a Comenda da Ordem Estadual do Mérito Renascença do Piauí, a homens e mulheres que tenham se destacado, dentre outros feitos, na promoção da história, da literatura e da cultura local e regional, constituem-se em exemplos efetivos do quanto é possível e devido realizar, por agentes e instituições públicos, visando à manutenção dos lugares de memória de uma civilização, evidenciando a necessidade de estabelecer, como bem cultural e social do povo, o exercício da liberdade, da equidade e da democracia, em toda sua plenitude.


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Publicado em:
Jornal Acesso Real, coluna Calidoscópio Cultural; ano II; nº 06; de 16 a 31.01.2008 (primeira versão);
Sítio www.piracuruca.com, coluna “O Mermorista”; em 21.01.2008 (primeira versão).

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