Na madrugada de 13 de janeiro de 2012, sexta-feira, no leito de sua residência em Piracuruca, assistido pelo carinho de familiares e amigos mais próximos, o venerando Doutor Manoel expira de uma vida de quase noventa e seis anos. A sua passagem por este plano terreno poderá ser comparada à existência de um farol, de brilho intenso e forte, que, até aquele momento, cuidava em orientar os rumos de muitos dos seus conterrâneos.
Oitavo filho
do casal Joaquim de Cerqueira
Machado e Ana Fortes de
Almeida, Manoel Francisco
de Cerqueira nasceu na Fazenda Baixa, município de Piracuruca,
Piauí, a 11 de março de 1916. Contam em
suas memórias que, quando do seu nascimento, a parteira assim profetizou: “Este
menino não vai ser vaqueiro, vai ser dotô!”...
O ainda pequenino Manoel conheceu as primeiras letras e números com a professora Raimundinha, freqüentando uma escola pública, em Piracuruca. Já adolescente, completados dezessete anos, transferiu-se para Teresina, passando a estudar no Colégio Diocesano. Naquela instituição, iniciou o curso de preparação para o exame de admissão, ali permanecendo até o final do ginasial. Àqueles tempos, sonhava cursar Direito e seguir a carreira diplomática ou a magistratura. O destino, contudo, tinha para ele outros planos: seu irmão, João Fortes, conseguiu lhe convencer a estudar Farmácia e, dessa forma, poder ajudá-lo em Piracuruca. Assim é que Manoel ingressa na Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Ceará, cursando, ali, seu primeiro ano universitário. No período seguinte, transfere-se para Salvador, concluindo o curso pela Faculdade de Farmácia da Bahia, a 22 de dezembro de 1943.
Retornando à
sua querida Piracuruca, Doutor
Manoel iniciou seus trabalhos como farmacêutico e comerciante, adquirindo
a farmácia de propriedade do senhor Zeca
Machado.
Em cerimônia
realizada a 11 de março de 1945, contraiu núpcias com Francisca Deusa de Melo, filha de Francisco Gomes do Amaral e de Avelina de Brito Melo. Dessa união, nasceram as filhas Maria Teresa de Melo Cerqueira e
Regina Maria de Melo Cerqueira.
Acreditando
que, pela razão, o homem poderá conquistar a liberdade e a felicidade social e
política, Doutor Manoel,
o educador, o humanista, colaborou na formação de algumas gerações de
piracuruquenses. Ainda na memória de muitos de seus alunos do então Ginásio
Municipal de Piracuruca, estão latentes os magistais conhecimentos de História
Universal e Brasileira, consubstanciados na obra de Victor
Mussumeci, de capa a capa, que o brilhante mestre compartilha com bonomia.
Nas entrelinhas, deixa-lhes a principal lição: o ponto de partida é o sujeito
do conhecimento, com consciência de si, reflexiva, que depreende sua capacidade
de conhecer.
A nobreza de
propósitos e a firmeza de caráter do casal Manoel-Deusa assumem essencial importância nos rumos da
sociedade de Piracuruca, entre os anos 40 e 70, principalmente, através
do desenvolvimento de várias ações. Em 1961, juntamente com diversos outros
cidadãos, Doutor Manoel
fundou o Grêmio Recreativo Piracuruquense. Ainda nos anos 1960, participou
decisivamente da implantação de clubes de serviço em Piracuruca, a exemplo do Lions Clube e do Rotary Clube.
No campo da
filantropia, Doutor Manoel
encabeçou diversos projetos, dentre os quais a construção do Posto de
Puericultura (1951) e da Maternidade Irmãos Dantas (1955). Dona Deusa Cerqueira, em absoluta sintonia
com os ideais humanitários do marido, dedicou-se, dentre outras atividades, ao
funcionamento do Clube das Mães.
Na busca
pela promoção do desenvolvimento local, Doutor Manoel, o produtor rural, o comerciante, superou uma
controvérsia histórica entre fisiocracia e mercantilismo e assumiu
a liderança do setor produtivo. Assim é que idealizou, juntamente com seus
pares, a Associação Comercial, Agrícola e Industrial de Piracuruca,
fundada oficialmente em 26 de julho de 1961. Prosseguindo na luta por avanços
econômicos e sociais, ajudou na fundação do Sindicato Rural Patronal e,
mais tarde, empenhou-se na criação do Sindicato de Trabalhadores Rurais.
A obstinação
do Doutor Manoel de buscar o melhor
para sua terra e sua gente, rende-lhe algum reconhecimento. Mediante a
aprovação do Projeto de Lei nº 039/89, de 19 de dezembro de 1989, no
ensejo das comemorações alusivas ao 100° aniversário de emancipação política de
Piracuruca, Doutor Manoel
é condecorado, juntamente com vários outros munícipes, em 28 de dezembro de
1989, com o “Diploma do Mérito Centenário”, em razão dos “relevantes serviços prestados, seu
dignificante exemplo de servir à terra natal e pelo acréscimo de seu nome na
promoção do desenvolvimento social, econômico e cultural de Piracuruca”.
Também em sessão solene, realizada a
10 de março de 2006, a Câmara Municipal de Piracuruca fez a entrega ao Doutor Manoel da “Medalha de
Honra ao Mérito Legislativo”, pelos importantes serviços prestados à
sociedade piracuruquense. No dia seguinte, 11 de março, a família lhe prestou
homenagem com uma bela festa, em comemoração aos seus 90 anos. Àquela
oportunidade, em meio às diversas manifestações de congratulação e
agradecimento, sua filha Regina
Cerqueira faz o lançamento da obra biográfica “Histórias que meu pai
me conta”.
Em cerimônia realizada no Grêmio
Recreativo, em 22 de janeiro de 2008, Doutor Manoel foi condecorado, pelas
mãos do governador Wellington Dias,
com a “Comenda da Ordem Estadual do Mérito Renascença do Piauí”, no grau
de oficial.
Nem o mais
completo e dignificante cabido de honrarias concedidas ao Doutor Manoel,
que possa vir a ser composto, no entanto, fará jus ao seu precioso legado. Esse
homem que, quando adolescente, chegou a pensar em servir à sua pátria através
da interpretação das leis ou das relações internacionais, transformou sua profissão
de farmacêutico e suas ações de homem público civil na personificação do melhor
juízo de sua terra natal. Se “o homem é a
medida de todas as coisas”, comforme consta do pensamento de Protágoras de Abdera (480-410 a. C.),
não poderá haver melhor “medida”,
mais abalizada referência, maior exemplo a ser seguido por homens e mulheres de
Piracuruca que a vida do Doutor Manoel. Com efeito, em se
considerando os procedimentos observados em tantas outras personalidades de seu
tempo e de sua sociedade, o mérito maior do Doutor Manoel talvez se consubstancie na disponibilidade de
prestar serviços à comunidade pelo simples ideal humanitário, imune a quaisquer
vaidades de cargos, funções ou uso do poder, via estruturas
político-partidárias.
Nas “Luzes”,
acesas por Jean-Jacques Rousseau (1712-1778),
Voltaire (1694-1778), Denis Diderot (1713-1784) e tantos outros, entre meados do século XVIII e princípio
do século XIX, serão encontrados os fundamentos de uma filosofia social
que rejeita, com vigor, toda espécie de controle político que possa intervir sobre
a racionalidade natural e física, bem como sobre as relações humanas, em
especial as produtivas. Na Piracuruca do século XX, ergueu-se um farol,
de luz vivaz e portentosa, que tinha como objetivo orientar para a razão, como
fonte do conhecimento, e para a crítica a toda adesão obscurantista, na incessante
busca pela plena realização do indivíduo. A memória ética ilustradora do Doutor Manoel deverá seguir se constituindo
em balizador indispensável para a projeção de mudanças positivas na sociedade
piracuruquense, tendo como principal função o desenvolvimento da ação humana
organizada pela razão, pela vontade e pela expectativa de uma vida mais
satisfatória.
Publicado em:
Jornal Acesso Real; coluna “Calidoscópio
Cultural”; Ano I; nº 10; de 01 a 15.04.2008; (primeira versão);
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