Segundo alguns pesquisadores, o carnaval tem suas raízes históricas na Antiguidade.
A expressão carnaval é de origem latina, “carne levare”, e
significa “abstenção de carne”. Os primeiros relatos desse período de festividades
profanas remontam a Roma do século XI. Durante a Idade Média a
festa é apropriada pelo cristianismo, iniciando no Dia de Reis (Epifania) e terminando na quarta-feira
de cinzas.
O carnaval moderno – caracterizado pelos desfiles à fantasia – se inicia
na Era Vitoriana (século XIX). Paris, na França, e Veneza,
na Itália, tornaram-se grandes modelos exportadores da festa
carnavalesca para o mundo, inclusive o Brasil.
Compondo, inicialmente, o folclore,
o carnaval brasileiro, com o tempo, passa a ter forte apelo comercial e
midiático, tornando-se um dos principais exemplos do fenômeno da cultura de
massa e de produto de exportação. A folia de Momo, com seus desfiles de
escolas de samba, principalmente no eixo Rio-São Paulo, ocupa lugar de
destaque no calendário turístico nacional e internacional. Na Bahia, a
atuação de grupos musicais e de dança, como o Olodum, bem como dos
inúmeros blocos puxados por trios elétricos, são espetáculos de rara beleza
e alegria imensurável. Os grupos de Frevo e Maracatu, por sua
vez, deslumbram a todos nos carnavais de Recife e Olinda, estes
ainda fortemente vinculados às manifestações folclóricas regionais.
Em Piracuruca, a exemplo da grande maioria das pequenas cidades
brasileiras, podem ser observadas algumas fases carnavalescas distintas. O
longo período que antecede os carnavais de clubes é identificado, hoje, apenas
através de parcos depoimentos orais e de alguma memória fotográfica. Tem-se notícia
que, nas primeiras décadas do século XX, desenvolve-se na cidade o “Corso”, evento
em que foliões desfilam pelas ruas, lotando os raros automóveis disponíveis à
época. Além do “Corso”, há
registro da fundação de uma associação carnavalesca, em 24.01.1913[1],
denominada “Diletantis Piracuruquense”.
Sobre essa agremiação, assim assenta Britto:
[...] Nascida como
bloco carnavalesco, sua pretensão era transformar-se em clube recreativo. Para
isto, foi criado o “Estatuto”, que regeria a agremiação e ali registrada a
firme promessa de construção da própria sede, assim que as condições
permitissem. Seu primeiro presidente foi Teófilo de Morais Britto e a diretoria
compunha-se de muitos outros membros[2].
No início da década de trinta, em pleno “Estado Novo”, surgem outros grupos organizados de foliões, a
exemplo do bloco “Fenianos” e de seu arquirival, os “Fanfarrões”.
A propósito dessas duas associações, ainda recorrendo aos escritos de Britto,
sabe-se que:
[...] Ambos nasceram
como blocos de carnaval e deram tão certo que se transformaram em agremiações
recreativas, embora sem sede definitiva. A maioria dos componentes dos Fenianos
eram piracuruquenses, mas, segundo a Sra. Nazaré Alcobaça, esta separação
nasceu sem planejamento. Os Fanfarrões eram o inverso, sua maioria era de
pessoas de fora, mas também era aberto a qualquer simpatizante. Havia famílias
que se dividiam nas simpatias. [...] Assim fui informada[3].
Nos anos que se seguem ao advento de
“Fenianos” e “Fanfarrões”, muitas outras manifestações carnavalescas afloram na
sociedade piracuruquense. A tradição oral menciona as “Tirolesas”
(1936), o “Bam-Bam” (1937) e as “Colombinas” (1938). Nessa época,
os bailes são realizados nas residências ou nos salões da Prefeitura Municipal.
Reina absoluto o gênero musical “marchinha”; as máscaras e as fantasias
fabulares dominam as festas, animadas por muito confete, serpentina e
lança-perfume... “Tanto riso, oh quanta
alegria, mais de mil palhaços no salão; Arlequim está chorando pelo amor da
Colombina, no meio da multidão...”[4].
A fase dos carnavais em clubes é inaugurada com os bailes que passam a
acontecer no Cassino 16 de Julho, clube fundado em 15.09.1939[5]. Por
aquele tempo, os principais blocos carnavalescos de Piracuruca têm a organização
de dona Carlota e de dona Francesa, destacando-se, dentre os
quais, os “Granadeiros do Amor”. É também por aqueles
carnavais que surge o bloco dos “Marinheiros”, composto, exclusivamente,
por casais da sociedade piracuruquense.
Com a emergência do Grêmio Recreativo Piracuruquense, fundado a 13
de junho de 1952[6] pelo saudoso doutor Manoel Francisco de Cerqueira e seus companheiros,
intensificam-se as incursões de blocos carnavelescos. Pelos idos dos anos 50 e
60, desfilam, dentre outros, o “Diavoleto”, os “Sacis”, os “Pistoleiros”,
e “Os Gaviões”. Já na segunda metade dos anos 70, surgem os “Gurus
das Sete Cidades”, “Os Piratas”, “As Frenéticas” e “Chuva,
Suor e Cerveja”. No início dos anos 80, lutam pela simpatia do público dois
grandes adversários: o “Massa Real” e o “Xandanca”. Em 1987, é
organizado o bloco “Tá Com Tudo”. Ainda na década de 80, surgem o “Pra
lá de Quente” e o “Tá Bacana”. O carnaval de 1991 é abrilhantado
pelo o bloco “Eki-Pirados”. Em 1994, é a vez do bloco “Calor do Samba”
esquentar os bailes do clube.
A inauguração do Complexo Turístico da Prainha, no final de 1997, dá
início à atual fase do carnaval de Piracuruca. O evento passa a receber patrocínio
público e a ser organizado pela Secretaria de Municipal de
Cultura. Esses são novos tempos, novos paradigmas para o carnaval brasileiro, de
forma geral. Na esfera nacional, além da tradição do samba, o axé baiano promove uma ruptura musical, passando a compartilhar o posto de ritmo
dominante, imiscuindo-se a outros gêneros musicais, principalmente no Nordeste. Na indumentária, as velhas fantasias
sucumbem, ante ao apelo comercial dos abadás. Os principais
representantes piracuruquenses da nova fase são os blocos: “Cara de Pau”, “Xandanka”,
“Sedução”, “Só Nóis” e “Só as Mercadorias”. Atração à
parte é o “Bloco das Virgens”, grupo que chama a atenção pela extrema alegria e irreverência.
Não pairam dúvidas, entre teóricos e estudantes das Ciências Sociais, de que o
carnaval, no Brasil, evolui de uma representação folclórica primitiva
para um grande fenômeno da cultura de massa. Nos grandes centros urbanos,
onde a indústria do turismo representa parcela significativa do mercado, o
evento transforma-se em artigo de luxo e de exportação, movimentando vultosos recursos econômico-financeiros. Espetáculo cultural e artístico de
grande beleza plástica, o carnaval torna-se produto de amplo consumo, onde
estão bem definidos os atores e seus diversos papéis, de prestadores de serviços a consumidores.
No entanto, em municípios de pequeno porte, salvo raras exceções, a festa,
financiada com recursos públicos, acaba por assumir clara conotação
político-partidária. Sob o rótulo carnavalesco, à sociedade é oferecido um
serviço de diversão popular, impregnado, quase sempre, de generosos recheios populistas e clientelistas.
Aos paladares e olfatos um pouco mais apurados, no entanto, há de se perceber que há,
sim, algo de podre no reino de Momo: fantasiados de supostos “benfeitores” do povo, os promotores e organizadores da
festividade são, em muitos casos, vorazes perdulários do erário público. Tais
dispêndios, em grande parte, têm origem em desmandos administrativos, em
detrimento do custeio e do financiamento de serviços essenciais à comunidade - educação, saúde, ifraestrutura básica - não sendo incomuns os processos contra gestores municipais por crimes de desvio de finalidades. Percebe-se, por óbvio, que nem tudo está
submetido à ruptura cultural: a prática do “pão e circo”, estratégia de dominação e controle de massas, utilizada,
largamente, desde a Roma antiga, mostra-se ainda bastante eficaz, em sua
versão contemporânea.
Contam-nos
os compêndios históricos que para o “carne
levare” promovido pelo Império Romano chegar à sua “quarta-feira
de cinzas” foram transcorridos cerca de mil anos. A despeito dessa metáfora carnavalesca, há um cabedal de
ensinamentos acerca do intrincado jogo promovido pelos mais diversos aparelhos
ideológicos e repressores do Estado – instalados, hoje, em todos os níveis da administração
pública -, bem como os consequentes males a ele atribuídos, que nos é legado por
essa basilar civilização ocidental. A bem da ética e em face dos "muitos carnavais”
observados em nossos dias, parece oportuno o reexame de algumas lições de democracia, em
especial os ensinamentos que versam acerca da alternância
de idéias e de práticas políticas, como fatores essenciais para o
equilíbrio entre as diversas forças culturais, sociais e econômicas de um povo, salutar
em quaisquer tempo e posição geográfica.í
Publicado em:
Jornal Acesso Real, coluna "Calidoscópio Cultural", ano I, nº 07, de 16 a 29.02.2008 (primeira versão)Sítio www.piracuruca.com, coluna "O Memorista", 16.04.2010 (primeira versão).
[1] BITENCOURT, Jureni Machado. Apontamentos Históricos da Piracuruca; p. 154.
[2]
BRITTO, Maria do Carmo Fortes de. Remexendo o Baú; p. 148.
[3] BRITTO,
Maria do Carmo Fortes de. Remexendo o Baú; p. 150.
[4] KETI,
Zé; MATTOS, Pereira. Máscara Negra (1967).
[5]
BITENCOURT, Jureni Machado. Apontamentos Históricos da Piracuruca; p. 169.
[6] BRITTO,
Maria do Carmo Fortes de. Remexendo o Baú; p. 127.